Crónicas no Feminino 3 #

Corria. Tinha de prosseguir. As pernas pediam-lhe que parasse. Não queria. Não podia. A respiração ofegante sobrepunha-se ao sabor adocicado do sangue do lábio dormente. Campo virgem para o seu paladar que preferia desconhecer.

O vestido, de botão arrancado, tinha sofrido um rasgão e tolhia-lhe as pernas. Continuava a negar o descanso ao corpo dorido. A cabeça latejava com os insultos ainda frescos. Sentia-a como uma bomba-relógio, prestes a explodir. Ficava para depois os cuidados necessitados. Por ora, bastava-lhe a  fuga. Nunca pensada, nem sequer planeada, no entanto, tão necessária.

Neste tormento, de extrema exaustão, um rasgo de lucidez: 'tenho de sair daqui, recuso-me a ser quem querem que seja'.

Liberta, corria, ainda, porém sabendo o destino. Para trás ficava uma casa onde não mais moraria. Habitação de violência, outrora de amor do qual a dor não a deixava recordar-se. Corria: o necessário, por agora.