Página Inicial

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Em tons de cinzento


- Porque te acizentas, pequena flor?

Abre tuas pétalas,
sorve o orvalho oferecido,
pinta-te de cores mil,
vai,
liberta teu perfume por aqui, 
por aí,
no acaso da vida.


Olha a luz,
a ternura que te acena,
a paleta colorida dos afetos,
que te aguardam 
em improvisadas aventuras,
atreve-te,
abusa do esplendor das vestes 
do ser único que és tu!

- Despede-te do cinzento, pequena flor!

Solta a sombra que te diminui,
deixa ir,
agiganta-te em cor tua,
só tua.



segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Ensaio de silêncio



I
Às cegas,

na escuridão do silêncio,

solta-se o rugido da vida,

a vontade aprisionada,

adormecida na toada do ruído.


II
Por entre barulhos que confundem,

riscam-se palavras cristalinas,

descascam-se as sementes do sorriso,

é o ser que não nasce.


III
Não quero esse toque de sino,

o ressoar de outrém,

onde deixo me de ser

na ausência do silêncio.




quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Riscos e Rabiscos
















Desenho o contorno do teu corpo
no arrepio da minha pele,
em insana vontade de te querer.

Traço-te as curvas
no compasso descentrado
que sou eu,
por planos sem eixos
onde a origem és tu.

Rabisco-te por entre beijos,
em grafias ilegíveis,
inventando alfabetos de desejo,
acasos de momento.

Já não sei se és pintura,
texto ou esboço.

Que (me) importa?

Sou giz vivo 
na ponta do dedo,
na língua viciada do teu sabor,
em que te desenho,
te descubro na humidade
de caminhos loucos,
riscos só nossos.



segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Dores



Respiro o ar difuso
da inquietação,
em noite sem sono,
de coração acelerado.

Escoa-se o tempo,
fico presa na dúvida,
escolha minha,
cárcere de tortura.

Dói-me a alma,
a incerteza de mim,
a vida que não espera,
não explica
e não faz sentido.

Agrilhoada a passados
 que o futuro não convida,
sou refém só,
desabrigada de tecto,
de tudo, afinal.

Peço à Lua 
que me leve a tristeza,
ilumine a escuridão,
seja guia
nesta noite de dores 
sem fim.




quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Tem vezes . . .



Tem vezes que o mar
me traz vontade de ti,
esqueço-me do tempo
e sinto-te o beijo outra vez.

São vezes de maresia,
odores que te chamam,
de orvalho húmido,
como teu corpo,
em trova minha outra vez.

Por vezes quero-te,
despido(s) de tempo,
no abraço de outros meridianos,
na travessia de imaginários paralelos,
no voo da gaivota,
como se fora a primeira vez.

Tem vezes de loucura,
insano desejo de ti,
fantasia ou realidade,
de sabor a sal,
doce como só tu,
no desespero duma derradeira vez.






segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Por ali . . . aqui ou mais além . . .


Por ali, podia-se colher o beijo,
maduro de impaciência,
suculento de prazer.

Mesmo aqui, abria-se o apetite,
clamando por carne,
no toque de pele bem temperado.

Mais além, dependurava-se a veste,
derradeiro testemunho da educação,
sobrando o desejo animal.


Perdida por lonjuras intensas,
nua em ti,
foi ali,
por entre lençóis que não vi,
a delicia de te provar,
bocas gostosas
percorrendo corpos sem dono,
em quereres grosseiros,
no abandono da paixão.



domingo, 9 de novembro de 2014

Descaminho com curvas




Quero percorrer cada descaminho teu,
saber das tuas curvas,
acidentar-me de olhos fechados,
no sabor da tua boca,
em encaixe perfeito.

Quero ouvir a toada de tuas mãos,
de onde nascem as flores de prazer,
perfume da rota que me deixa sem pé,
na inclinação vertiginosa de ti.

Quero tanto,
quero tudo,
só não quero a via estreita,
a reta sem paisagem . . .





sexta-feira, 7 de novembro de 2014

As Chaves



Há um cofre,
uma caixinha em dada um de nós.

De fechadura única,
com recortes aprimorados no tempo,
é quebra-cabeças,
mistério apropriado para os pacientes.

Nem sempre a chave da sorte lhe cabe.

Pode retorcer-se a chaveta da vontade, 
aquele querer desmesurado
e nada.

Invioláveis, 
continuamos por descobrir
apesar de todos os indícios, 
todo o grito e silêncio
de nos sermos.

E o tempo passa, 
pessoas vão,
outras se ficam,
mas, nosso santuário,
íntima essência,
prossegue a sua existência
no limbo do desconhecimento.

Tem vezes que perdemos a chave
ou nunca a mandámos fazer,
vivemos na superfície
de nós próprios,
alheados,
ou, simplesmente,
 sentados na acomodação.

Sorte dos que tropeçam em pessoas,
únicas, especiais,
de chaveiro sempre pronto,
nunca desistindo de encontrar 
a nossa chave perfeita.

Sem ruído,
de mansinho,
destrancam nossos ferrolhos
e vão entrando,
talvez com a chave do Amor.



quarta-feira, 5 de novembro de 2014

". . . A tristeza tem sempre uma esperança De um dia não ser mais triste não . . ."


Por aqui, hoje, rendo-me à sabedoria, otimismo e aquele saber ser, saber estar, próprio dos mestres:





Samba da Bênção

Vinicius de Moraes
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão
Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Eu, por exemplo, o capitão do mato
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha
Tu que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Sinhô, a benção, Cartola
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes
Sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas por viajar
A bênção, Carlinhos Lyra
Parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Não és um só, és tantos como
O meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá! A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração


domingo, 2 de novembro de 2014

Deixa-me ser . . . (mais) !



Deixa-me ser :

o teu (mais) arrebatador beijo,

a loucura (mais) alucinada do teu desejo,

a doidice (mais) gulosa do teu prazer,

a volúpia que te impacienta em (mais) ondas de delícia,

os teus sentidos (mais) desencaminhados,

a tentação (mais) irrecusável,

o rio (mais) perfeito onde te desaguas,

o ventre por onde (mais) te perdes,

as coxas que (mais) te apertam em esgares do Sim,

o corpo por onde (mais) te viajas,

o trilho de onde não (mais) queres sair,

a pressa do querer (mais) outra vez.

tua na eternidade de (mais) um instante,

doce no sussurro de (mais) um gemido,

a que se perde em (mais) voos para te encontrar,

o mapa por onde (mais) a tua bússola se norteia,

as coordenadas (mais) exatas na tua viagem,

a pele (mais) perfumada onde te queres fundir,

a gota que (mais) te mata a sede de amor!




sábado, 1 de novembro de 2014

Às vezes



Às vezes acontece um desespero,
o abismo que se avoluma
bem dentro de mim.

É como um nevoeiro,
a cegueira dantesca do Nada,
em meu olhar.

Às vezes um abrigo me acolhe,
a morada fria de não me gostar,
onde boas-vindas não há.



É quando um fio de possibilidade,
o atrevimento da esperança,
me prende a entrelaçada teia.

Às vezes um gesto me salva,
toque do universo,
agarrando-me de improviso.

É como um Sol só meu,
espelho de outras imagens,
por onde a minha sombra me busca
em procura desenfreada,
pois se me perdi.

Às vezes um colo é vital,
ternura de ombro sem julgar,
chão que preciso pisar.