domingo, 29 de maio de 2016

Beach, please !



Soa a cantilena esganiçada,
pois soa.

É vontade de mar,
pois é.

Dá vontade de mudar de país,
pois dá.

Dobram os sinos pela primavera perdida,
pois dobram.

Empresto paciência a mim,
pois empresto.

Que hei de fazer?

Sou (confessa) amante de verão,
sol,
areia,
calor,
óbvias vontades de clima temperado.

E depois?

A mudança é a única permanência
e a ela terei de me render.

Enfim,
resta-me pedir:
" Beach, please !"



sábado, 28 de maio de 2016

No meu vale ... há uma casa



Há uma casa
plantada no meu vale
manso e de águas correntes.

Essa casa fez morada
em meu chão,
bebeu do meu rio,
plantando-se no meu vale
como peregrino
ou hóspede sem prazo.

Há uma casa engraçada 
por aqui,
com jeito de letra, enfim,
e meu vale soltou-se de mim.



sexta-feira, 27 de maio de 2016

Só por Hoje



Só por hoje,
deixo a tinta secar
em palavras escritas por ti,
silêncios tatuados na minha pele,
desejos e vontades desenhados na ponta  da tua pena.

Só por hoje,
permito-te a ousadia de me penetrares
em íntimos ocultos,
confidências onde te sou página em branco.

Só por hoje,
abandono-me em tuas mãos,
ofereço-te o corpo virgem,
por onde te podes aventurar
e escrever o momento 
onde somos sol e lua,
terra e mar
em Todo só nosso.

Só por hoje,
quero-te como guião do meu filme,
argumento a estrear,
em falas, palavras e takes
que me viram do avesso,
marcada por ti.

Só por hoje,
desliza-te em mim,
como quiseres,
pois dei férias às amarras,
e soltei o atrevimento nu 
de me oferecer-te.


terça-feira, 17 de maio de 2016

excesso



Quero estancar este desvario,
o fluxo de rio sem foz,
esta corrente de pensamentos sem eco.

Quero desaguar este querer,
a chuva de palavras sem chão,
este despropósito sem causa.

Quero gritar este sentir,
o fragmento inteiro sem voz,
esta mania de me ser
...
em excessos que me sobejam,
o desgoverno sem lei,
esta demasia só minha.



domingo, 1 de maio de 2016

no beijo


"A vida é curta demais para ser pequena"

Deixa tempestades lá fora,
com os raios, trovões
e seus amigos sombrios.

Que importa a chuva
se dentro de ti raia o esperançoso sol
no beijo demorado
de improvável encontro?

Despovoa essa terra
de incertezas e frio,
procura outras,
amenas e confiantes.

Oferece-te ao calor rubro
desses lábios 
em desespero de ti.

Ilumina-te na carícia
desse toque 
que te tomará as entranhas
e mostrará quem és.

 Há um outro mundo
à tua espera.
Basta que te atrevas
no beijo.


sábado, 30 de abril de 2016

Um Olhar qualquer



Olha-se e não se vê,
vê-se e não se olha.

Comenta-se na cegueira,
cega-se no comentário.

Julga-se nos sentidos,
sente-se nos julgamentos.

Adivinha-se o que não se sabe,
sabe-se o que se adivinha.

Recebe-se o que se dá,
dá-se o que se tem.


E tu? 
Para onde olhaste primeiro?
Que te prendeu o olhar?
O cachorro?
O homem?
Um sentir qualquer nascido da pele nua?


quinta-feira, 28 de abril de 2016

tua


William Oxer

Entardece, amor,
no abraço da noite 
traficante de ilusões.

Tolda-me o sentir do Sol 
que sempre nasce
e a primavera
que sempre chega.

Penumbra-se o mar
em marés que sempre vêm,
umas como quem quer engolir a terra,
outras de mansinho,
em afagos húmidos.

Deixa a névoa encastelar-se
na própria sombra
em brumas sem diferença,
importâncias de outros.

Vem, amor,
no beijo da luz,
olha-me como se fora única
aquela que se despe,,
de alma só tua
para ti.


sexta-feira, 22 de abril de 2016

Criança


Criança minha,
do mundo 
e dela própria.

Fogem-me as letras
na maré cheia
de meus olhos,
pois se nos teus
me acho sem querer.

És-me encantamento, 
magia materializada,
nesse teu jeito
de te seres menino,
petiz para sempre
em mim.

Foto By Pérola



terça-feira, 19 de abril de 2016

Leio para ti


Paul Rader (1906 -1986)

Pousa o livro e deixa-me ser o alfabeto,
as sílabas, 
e as palavras do teu novo romance.

Emociona-te na adjectivação
do meu querer,
atreve-te por entre reticências minhas,
surpreende-te na interrogação do meu calor.

Deixa o parágrafo introdutório
penetrar em ti,
fluindo ao sabor de capítulos sucessivos
nascidos de nadas 
onde sou a criadora de tudos,
inventados,
explorados
e descobertos,
no fogo dos nossos corpos
resolvidos por mim,
pelo enredo que te conto
e onde te agitas
em vãs tentativas de rumar
a outro final.

Desta feita, sou eu a contadora,
tu, pousas o livro
e absorves-me como se te fosse mestra.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Sou . . .


Sou falésia derramada no mar,
abismo de pés salgados,
ilha presa à terra
em amarras peninsulares
como medos semeados ao vento
e quereres ancorados.

Sou gruta fragmentada
por vagas (nem sempre) doces,
horizonte sem norte,
flor nascida por ali,
em declive acolchoado,
como gaivota em dia de tempestade
e poeta sem pena.

Sou mar, terra, ar 
por onde despenho a pele que há em mim.


sábado, 2 de abril de 2016

acampando


Ergues-te em ninho morno
adornado de voos rasantes
como águia em busca de companheira
e depois não me permites a entrada?


Deixa-me acampar em ti, amor,
montar tenda no chão do teu corpo,
deitar-me em ti,
bem juntinha de tuas coxas,
sentir a brisa do teu abraço
como se fossemos um só,
em abrigo teu.

Proporciona-me a entrada em ti
para que possas entrar em mim,
nesse laboratório natural,
selvagem o quanto baste,
por onde me quero alojar
sendo ave
ou outro animal qualquer.

Deixa-me somente . . .
acampar em ti.


quarta-feira, 30 de março de 2016

dentro da 'garrafa'


Vivo enfiada nesta garrafa
perdida tantas vezes,
encontrada muitas outras.

Nem sei se nasci deste jeito
ou me fui espremendo
para o seu interior.

Tudo passa,
mas nem tudo vejo
pois viajo em velocidades alheias
por itinerários desorientados.

Acordo e adormeço
dentro deste vidro
que sinto como meu.

Vã ilusão, a minha !


Há que partir limites,
atravessar fronteiras,
soltar o aconchego do abrigo
e ir,
despida de tudo,
em procura de mim.


terça-feira, 29 de março de 2016

Da espera


Aliso o mar que nos separa
e espero.

De mala feita,
vigio horizontes vazios,
despidos de ti.

Tenho a Lua por companhia
já que o Sol se cansou.

Esfarelo pensares
e coisas minhas
em tempo sem tempo para mim.

Quedo-me inteira
em vagares demorados,
pausa inspirada
na maré ausente.

Estás em mora
neste entardecimento tardio
enquanto dobro ânsias
para minguar apetites,
fomes e sedes
somente de ti.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Dos Homens


Há traços, curvas,
texturas, cheiros
e toques de diferença,
fronteiras invisíveis ou 
de muros impenetráveis.

São homens,
a humanidade em género
que se sabe diferente
e se gosta
em desigual modo.

Pois venham feministas,
sexistas
ou até machistas,
que interessa?

A essência mora 
nas grutas de cada um,
cavernas escondidas
em corpos de superfície mascarada
de bem pareceres 
ou rebeldias ostentadas.

São desigualdades necessárias,
próprias de se ser,
por onde mulher 
só é desirmanada 
em costumes,
preconceitos permitidos
por cada um.


quarta-feira, 23 de março de 2016

Danças ?



Quebras-me o ritmo
com tua passada resolvida
nesta rumba a dois.

Não me dás tréguas,
hipóteses de fuga
ou qualquer outra coisa
que não a determinação
do teu poder em mim.

Arrepias-me com mão firme 
em minhas costas abandonadas
na firmeza do teu balanço,
na loucura do teu cheiro.

És-me bússola em desorientações
de coreografia viciada
em corpos íntimos,
cúmplices aprumados
de pulsação desenfreada,
prontos para ortodoxas vontades
como insubordinados escravos.

Fixas-me em promessas 
sem música,
no silencio do baile,
por onde dançamos,
tu e eu,
como só nós sabemos.





sexta-feira, 18 de março de 2016

casa de 'brincadeiras'



A noite adormeceu à sombra da Lua
com requintes de canseira.

Levantam-se o moinho, 
a casa e os ovos também.

Cheira a chocolate,
amêndoas e um calorzinho
que não vem.

Cá para mim,
sopraram ventos de loucura
na companhia da preguiça.

Juntos, 
a poeira foi tamanha,
que,
o mundo ensandeceu 
o dia teve mau acordar
e eu fiquei de
pernas para o ar.

Não sei que faça,
não sei que pense.

Não quero acordar a noite,
de confusão está ela farta.

O meu planeta está doente
e crónica é a humanidade,
creio não gostar 
desta casa de 'brincadeiras'.



terça-feira, 15 de março de 2016

Do teu colo



Venho de longe,
de algures em parte alguma,
como brisa de bafejo em viagem,
desviada no atalho do tudo
por onde o caminho é largo.

Tardia ou vagarosa,
tenho raízes ao vento,
desembaraçada no nó do tempo
e por onde procuro.

Nascem-me cores pelo corpo,
como desabrochares desatados,
quando tu me colhes
e me dás colo.

Sou-me primavera,
perfumes e flores mais
pois se é em teu aconchego 
que me agasalho,
ganho viço 
existindo no intervalo do teu afago,
na fortaleza de te saber por aí.


sexta-feira, 11 de março de 2016

Partilha III


Confidência
"Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com suavidade
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos
No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome."

Mia Couto

domingo, 6 de março de 2016

Sou jardim ?



Perguntas-me se sou jardim,
oceano de perfumes,
verde entremeado de cores
como arco-íris semeado por ventos
e primaveras repletas de pólen, estames e óvulos.

Ah ! 
Como se eu soubesse . . .

Basta-me esse mar cheiroso
a extravasar minha maré de pétalas,
essa cor que me agita no balanceio do teu olhar
 e ser caule tenro
em desabrochar tingido de todas as cores do mundo.

Ah!
E a primavera!

É-me a energia, 
a luz,
a semente de quem sou,
de quem fui,
de quem serei,
o colo de todos nós.

Insistes na objetividade da resposta,
e eu só sei que sou flor,
sem o rubor das rosas,
o vigor dos arbustos,
o perfume dos jasmins,
ou o atrevimento das trepadeiras.

Sou parte no todo
ou tudo em partes,
enraizado por aí,
como se fora jardim (inacabadamente) perfeito.

Pérola




sábado, 5 de março de 2016

Somos JARDIM



Acontecemos nesse jardim
onde somos árvores plantadas
de raízes afundadas.

Nossos galhos secos reinventam-se
no fogo sem chama,
braseiro rubro com perfume de jasmim.

Existimos no beijo de lábios entreabertos,
no contorno de nossos troncos floridos
por onde a seiva escorre 
em florescências sem canteiro.

Rasgamos terras e ares em gomos do tempo, 
qual semente desabrochando
em alvoradas e crepúsculos
abraçando todas as plantas e flores do mundo.

Somos um só,
JARDIM,
onde tu és o viço 
e eu a flor.


sexta-feira, 4 de março de 2016

Partilha II



Para Ti
"Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida."
Mia Couto