quarta-feira, 23 de setembro de 2015

em outono


Mauvais
Randall Hobbet
2015

Definham as marcas,
dos dias longos,
do dourado beijado 
pelo sol em areias 
já baças.

Atrofiam os tempos 
de luz sem relógio,
da claridade constante
do verão que
que se esvai.

Enfraquecem as árvores
em época de colheita
na promessa de  nova semente.

Murcham as folhas
em tons quentes,
qual ironia outonal,
a abrir caminho
à frialdade
que se adivinha.

Renunciam as planícies verdejantes,
restam as mínguas desfloridas,
o hibernar na nudez crua
da espera
de nova primavera.


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Não sei



The Flower Girl - 
Jules Cyrille Cave

Não sei quando a semente
se perdeu na terra,
o céu se derramou
ou mesmo porque 
se despem as flores maduras.

Vou secando 
no mesmo vento
que varre jardins
e colhe as flores
grávidas de nova primavera.


Inspiro os suspiros dos malmequeres
como perfume de outras eras,
de outros tempos,
porque simplesmente não (me) sei.

Já brotaram novos rebentos
na terra acolchoada
de folhas que se enlutam
na despedida do verão.

Não sei dos porquês
das estações 
que se soltam de sinónimos
e agarro-me à desfolha
de pétalas por cair.



terça-feira, 15 de setembro de 2015

em pedaços (de mim)



Percorro-me no decoro
da inteireza de mim.

Contam-me da lealdade
a me ser, 
única,
em austera unicidade.

É-me caminho penoso
pois se me perco
em fragmentos meus,
pedaços de,
e com,
 sentidos contraditórios,
como se fosse puzzle
a construir.

Insisto na vã tentativa
de me sentir inteira,
na exclusividade da pessoa.

Mas são os estilhaços,
recortes meus,
que me chamam,
 me acolhem,
de mãos cheias de porções,
moldando partes,
nunca sobejadas,
onde me vislumbro
e
abranjo a suspeição
de me ser em retalhos,
somente pedaços.


domingo, 6 de setembro de 2015

tempo e sobras


Solta-se o tempo em instantes petrificados,
afundam-se momentos neste poço em que me sou.


Sobro-me tanto!
E, 
ainda assim,
vou sendo consumida
nas franjas do quotiano,
vincada nas dobras do banal,
como pedra erodida 
por elementos de circunstância.

Sobejo-me
nos intervalos da vida,
onde sou mulher
em rota labirintica,
perdida e achada,
no chão de ninguém
como estátua de mim.

Resto-me no trilho
do outro,
ou,
talvez não.

Afinal sou orfã da escolha,
filha de mim mesma,
e,
permito ao tempo
esculpir a minha forma
em mármores 
onde me continuo a sobrar
na terra de
 inevitabilidades temporais.

Pérola



quinta-feira, 3 de setembro de 2015

gosto. . . (-me)


Gosto de rodopiar 
nesse abraço que dói,
silenciar-me no teu riso,
ser feliz, 
mesmo assim.

(Podes ser sonho meu,
banda desenhada
em biblioteca monástica,
mas não me peças 
para cair 
no abismo do real.)



Não!
Não te solto 
dos meus braços sem força,
do meu corpo sem juízo,
dos meus pensamentos inconvenientes.

Brilho na fantasia
de me quereres,
gosto-me no romance
de me gostares também.



segunda-feira, 31 de agosto de 2015

quero (meu) mar . . .



Por entre céus e mares
perco o pé de terras firmes.

Sou novelo
do fio do tempo,
emaranhada
no turbilhão 
das águas do  meu pensar.

Sou assim,
onda sem chão,
gota soprada
em ventos de 'outroras'
por onde me alheio.

Em oceanos desassossegados,
sem costa à vista,
dissolvo-me 
na tempestade molhada 
do mar alto,
onde me deixo afogar
na esperança de dar à costa,
noutros continentes,
em hemisférios por desvendar.

Por mares a que chamo meus,
nada mais sou,
mulher inquieta,
perseguida por adamastores
de pulsos adornados
com relógios
que me enlouquecem.

Pois, se entre estes
céus e mares me perco,
neste abandono de água, 
que acusação me tem o tempo
ao não desviar o seu olhar 
do nevoeiro por onde me habito?

Oh! Tempo!
Não te quero!

Solta-me das tuas correntes
e deixa-me ser no meu mar,
onde sonho a areia
da minha pegada,
o desaguar em praia 
banhada da ternura
de quem tu sabes
para morrer em maré cheia
dos beijos dele.

Pérola



quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Trago !



Trago nas mãos
o teu rasto colorido,
o vislumbre de ti 
em pinturas por começar.

Cobiço a tua cor
em matizes coroadas
do tom teu.

És-me arco-íris,
céu e tudo o mais
por onde o horizonte
se tinge no teu nome,
e eu me deslumbro
em nuances 
que insisto em agarrar.

Trago por entre dedos,
a pigmentação do teu olhar,
a textura das tuas palavras,
a vontade sem cinzentos,
o desejo de ti !

Pérola



terça-feira, 25 de agosto de 2015

beijo


O BEIJO (Paul Éluard)

"Ainda toda quente da roupa tirada
Fechas os olhos e moves-te
Como se move um canto que nasce
Vagamente mas em toda a parte

Perfumada e saborosa
Ultrapassas sem te perder
As fronteiras do teu corpo

Passaste por cima do tempo
Eis-te uma nova mulher
Revelada até ao infinito."


Quero esse beijo
sem tempo,
perdido,
por entre folhas do calendário,
de relógios parados.

Renasço na ânsia
da desordem
de teus lábios,
de tua boca,
onde o caos se organiza
e o abismo 
me tenta.

Quero esse beijo
multiplicado
vezes sem conta,
somado
a tantos outros,
em eternas intemporalidades.

Quero esse beijo
onde me despedaço
e remendo no fio 
da tua saliva.

Pérola



segunda-feira, 24 de agosto de 2015

sábado, 22 de agosto de 2015

flor e dependurada



Sou flor dependurada,
perdi caule, raíz
até folhagem.

Resto-me na cor
da minha veste,
na alegria do meu perfume.

Sou flor amadurecida,
plena de cor
como só eu,
flor dependurada.

Nesse balanço da corda
assobio ao vento,
sussurro-lhe minhas vontades
como nada me tolhesse.

Ah! 
Vã Ilusão!

Sou mera flor dependurada
presa nas pinças da vida,
imaginando o quanto sou livre,
quando,
em verdade,
sou só eu,
cercada de infinidades
limitadas por fragilidades
de flor.


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Por entre silêncios



Deixa essa criança 
tomar seu tempo,
formar-se tomando peso,
e quando chegar sua hora . . .
pois que nasça.

Deixa esse parto acontecer,
bem de mansinho,
gravíssimo,
como quem desperta 
de ventre de ternura.

Deixa que as palavras jorrem,
a música ganhe identidade,
em ritmo prestíssimo,
como explosão de tudo.

Deixa-me ser essa lactante,
oferecer-te da minha música
nascida do silêncio 
de te querer.



Para os mais Curiosos: 
http://www.prof2000.pt/users/ed_musical/EDUCA%C3%87%C3%83O%20MUSICAL/5.%C2%BAANO/NIVEL_02/RITMO/5-Principal1periodonivel02-RITMO.htm


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

guerreiro



Trazes o gume da lâmina,
o sangue que não estanca 
nesses rios 
que atravessam teu corpo.

Tens no olhar o negrume
de gritos
e silêncios sem vida.

Persegues a cruzada, 
despida de ti,
marcada em tua alma
de guerreiro.

Estendes-me a tua mão
que me falam de outro ser,
calado em teu ventre,
em súplicas de amor.




sexta-feira, 7 de agosto de 2015

coisas do mar



Trazes coisas do mar,
palavras perfumadas na maresia
em voo de gaivota.

Tens nas mãos o mundo
que me entontece,
deixas-me à deriva
ao sabor do teu tempo,
da tua vontade,
moderadamente.

Já te disse
o quanto anseio a loucura?

Junta a essas coisas do mar
a imprudência sem limites,
a anarquia de outras terras,
outros cheiros,
desejos inconfessáveis.

Vem !
Carrega-te em pleno
e oferta-te (só) a mim.

Leva-me contigo
por entre essas coisas de mar . . .



quarta-feira, 5 de agosto de 2015

* eu *


Escorrega-me o feminino
por entre camélias brancas,
laços e sedas.

Gosto-me de ser mulher,
pintalgada de rosa,
em delicadezas subtis
encimadas por tiara de princesa.

Pingo-me na ponta da pena,
esborratando páginas nuas,
ora lágrima ora riso.

Basto-me na meada 
de me acontecer Mulher !


domingo, 2 de agosto de 2015

teus beijos




Gosto dos teus beijos crus
como cereja madura.

Doces como polpa sumarenta,
vermelhos como teus lábios
no descanso após
visitarem os meus.

Gosto dos teus beijos nus
como fruta de época.

Marotos na desfaçatez 
da colheita,
carentes como perdição
em vício do pior que há.

Por eles me perco,
por eles me encontro.
Teus beijos, meu amor,
são delícias com que sonho.


sexta-feira, 31 de julho de 2015

tem tempo(s)



Tem tempo este vagar manso,
a suavidade de um amor paciente,
na espera, 
sem horas, 
de ti.

Tem tempo este querer sem fundo,
a ternura de um desejo sem voz,
na delonga do teu trote.

Tem tempo esta esperança enfeitiçada,
a magia de um adormecimento confiante,
na entrega que se adivinha.

Tem tempo, faz tempo,
são calendários desfolhados,
nesta minha vida em suspenso.

Porque tardas?



quarta-feira, 29 de julho de 2015

em metades


De vez em quando, perco-me !

Racho-me em metades 
que se soltam
como pétalas de flor madura.


Perco-me, de quando em vez!

Devoro-me em fragmentos desgovernados,
pedaços meus,
em busca da inteireza de mim.





segunda-feira, 27 de julho de 2015

! Com Medo !


Adivinho água fresca
no ribeiro 
que tropeçou em mim.

Hesito na travessia,
as pedras estão soltas,
escorregadias,
a desafiarem-me
em chamamento ardiloso.

Há um caminho,
mais além,
a vereda que devo escolher.

Que faço?
Pois se meus pés se calçaram
no medo . . . de mim . . . do mundo.


sexta-feira, 24 de julho de 2015

quero



Quero amar-te nesse espaço
entre nossos corpos,
na imperfeição do mundo 
na fragilidade de acontecermos.

Quero ser-me em ti,
fundir-me no calor de impossibilidades,
deixar as explicações 
esquecidas no fundo mar
para,
tão só,
te amar.

Permite-me,
amor,
cobrir essa distância,
repleta de desnecessidades
com a minha pele inacabada,
em perfeita tentação.

Quero-te no tempo fugaz,
da geração onde respiramos,
onde me dói 
só de pensar em ti.



quinta-feira, 23 de julho de 2015

Em sonhos . . .


O sonho chama por mim
e eu vou . . .

Persigo o beijo por dar,
grito aos ventos
que te quero
como quem
traga a vida
com um só gole.

Recolho meus fragmentos
em busca de ti,
correndo no acerto da tua voz,
na plenitude do desejo.

O sonho me chama
e eu tenho de ir,
quero esse beijo demais . . .




quarta-feira, 22 de julho de 2015

Doçura de receita . . .



Adiciono à nata do teu corpo
o açucar do meu desejo,
incorporo-lhe uns frutos vermelhos,
como paixão em ferida,
e eis a minha bagunça preferida:
o doce de te amar!



sábado, 18 de julho de 2015

Amor meu



O vento fez-se ao mar
e nele embarquei como clandestina.
Deixo-me levar
na ondulação uivante
como sopro vital.

Sou mar,
sou vento,
já nem sei.

Aporto noutro hemisfério,
continente desconhecido,
por onde deslizo
na respiração de ti.
como fantasma.

Abraço-te o sono,
beijo-te a respiração,
revogo-me em tua respiração,
na poeira da quietude
do vento quebrado.



quinta-feira, 16 de julho de 2015

Para o teu fundo



Desço-me por degraus
que me chamam,
oceanizo-me na descida
do abismo que és tu.

Para o teu fundo
é meu tempero,
sal da minha vida,
exigida no desejo
de tuas águas.

Dissolvo-me em fogos molhados,
 toques sem pudor,
onde és mar meu
e eu,
tua naufraga,
presa no querer-te
aqui e agora.

Adoço-me na escala decrescente
onde te sei,
para o teu fundo
é minha fortuna.



sábado, 11 de julho de 2015

Corte e Costura



Entorno este desejo 
na ponta da agulha 
a olhar-me por entre dedos.

Alinhavo humidade de beijo
no fio com que teço
a costura de te querer.

Vejo-te no fundo da linha
em que me debato
por coser.

Nasço em cada fiada
na sutura do teu corpo
que me visita 
por entre cortes e costuras.



quarta-feira, 24 de junho de 2015

* De mim *



Semeio-me por terras estéreis,
embrulho-me na onda sem praia,
espraio-me em serranias sem mar,
desaguo-me em beco sem saída.

Procuro o avesso de mim,
em ventanias que me desnudam,
para voltar a perceber
que sou erro sem perdão,
escrita sem borracha,
em mundos de tempestade.

Decalco-me em dualidades
multiplicadas pela incerteza,
dúvidas tatuadas,
em verbos por acontecer
na solidão de existir.

Pérola