Na actualidade, e com o romper do dia, as lembranças esvaneciam-se.
A dor da partida da mãe estrangulava-lhe a garganta. Aqueles últimos cinco anos tinham-na mudado. Conseguira estudar sempre com o apoio dos pais que a tinham adotado.
Estudava Medicina Dentária, concretização do sonho de criança.
Matilde enveredara pelas matérias da Biologia. João, gestor a finalizar o curso. Luís, que se tinha transformado no seu maior amigo e confidente, decidira ser médico de animais. Continuava a sonhar que iria salvar todos os seres vivos de maus tratos. O pequeno António, que se revelara um rapagão de ideias bem assentes, escolhera engenharia. Adora mecanismos, máquinas e desta forma saciava a sua curiosidade, estudando com prazer.
Matilde sentia-se bem apesar dos fantasmas da rejeição a assolarem de quando em vez.
A morte da mãe reavivava-lhe as assombrações.
A avó veio oferecer-lhe um chá quente. Samara, dormente da posição encaixada no corpo frio da mãe, desperta rápidamente.
Haviam chegado mais pessoas, o negro parecia a única cor existente.
Os homens trajavam integralmente o preto com o preto como adorno.
As mulheres escondiam-se nos seus lenços negros que lhes tapavam a cabeça descendo até à cintura.
Era o caso de Samara, respeitava os costumes e apresentava-se de negro profundo vestida.
O funeral seria dali a pouco.
Acariciando a gélida face da mãe, é depois desviada para o meio das outras mulheres.
O pai, Manolo, de sofrimento estampado no resto, recusa-se a olhá-la. Os seus irmãos solicitam-lhe atenção, de olhos ávidos.
Ainda vislumbra Gonçalo, já casado e com dois petizes pela mão.
Aurora, mulher experiente, avó amorosa convida-a a permanecer em silêncio para afastar distúrbios.
Samara cansada, tudo cede. A dor experimentada não lhe ânimos para qualquer ação.
Apenas chora, lágrimas secas, dor lacinante.
No marasmo da insensibilidade, provocada pela tristeza, permite-se o embalo inconsciente nas cerimónias costumeiras naquelas ocasiões.
(continua)