Pelas frestas da portada, a luz teimava quebrar a escuridão. Ana procurava com os pés nus alguma fresquidão naquela cama quente.
Os lençois falavam de cheiros proibidos, gestos secretos e palavras susurradas na clandestinidade.
A sonolência preguiçosa pedia-lhe mais. Por ela o Mundo podia acabar naquele quarto perfumado por sobras de amor.
Renunciava à visão enterrando a face no travesseiro. No cerrar de olhos ainda o podia ver. André partira durante o sono irrecusável.
Tinham pactuado nesta despedida ausente.
Na mistura do sonho, saudade e lembranças, a prostração tomava-lhe, de mansinho, a vontade e o pensamento meio adormecido.
Recordava o dia anterior, o entardecer a dois que, já longe, dera lugar àquela luminosa manhã.
Nunca houvera provado tal loucura. De tal intensidade, de furor desvairado, a radiação carinhosa deixara-a contaminada. Estava doente. Gravemente enferma.
Respirava o aroma das partículas suspensas no ar. Exalava ternura o tecido que a envolvia, sensações, vontades insatisfeitas.
Regressar à vida, eis uma frase que lhe ecoava no íntimo.
Doía-lhe a cabeça. Na luta entre a vida crua fora de portas e a lentidão lânguida daquele espaço abafado a vacilação não tinha entrada.
Ficaria por ali. De lençois enrolados, alimentando-se de reminiscências, apetecidas, materializadas no querer. Faria amor com o cheiro balsâmico da guerra a dois. Dormiria sobre a almofada suada, marcada por André.
Perder-se-ia nos feixes de luz para se encontrar na escuridão total.
Os dias passariam na eternidade da vida.
Ana cobiçava a permanência de momentos guardados. Apegava-se ao som da respiração doce do amante, ao sabor da sua boca, ao toque do seu corpo.
O barco de André zarpara na maré cheia. Não voltaria.
Ana, no desespero da perda, ousa meter-se naquele mar.
A maré vazia fá-la correr em vão.
Sem água, sem chão, sem rota conhecida.
Em rasgo de lucidez levanta-se prontamente.
Abre a janela.
Cega pelo Sol que lhe sorri, aspira o ar límpido do horizonte.
Puxa os lençois, testemunhas do que ficou habitando o 'ontem', fantasmas do 'hoje'.
Deixa a água do duche escorrer-lhe pelo corpo, diluindo odores, sabores, quereres.
Prepara-se para nova maré.
Quiça a sua!
17 comentários:
A vida realmente tem muitas mares... e as vezes nem sempre boas...
Beijos...
Só gosto das marés cheias. :)
=)
É mesmo assim a vida, cheia de marés que ora são cheias, ora vazias...
Bjs
Lindo texto. Gostei mesmo!
Beijinho
Lindo texto. Gostei mesmo!
Beijinho
Gostei muito
Beijinhos
A Vida Tem Muitas Marés !
E muita coisa boa
Tem cuidado onde põe seus pés
A caminho de Lisboa.
Não viva na clandestinidade
Goza bem a sua vida
Aproveita a liberdade
Não anda por aí escondida.
Foge da escuridão
Agarra bem o teu amor
Vou colocar em tua mão
A mais linda flor.
Só em pensamento
Olhei para o céu e vi
As nuvens em movimento.
Deixam cair no chão
Gotas de água
Longe de ti
Uma lágrima
Nos teus olhos não vi!
Feliz dia da mãe para ti amiga
Pérola. um beijo
Eduardo.
muito bom...
não gosto muito de mar.Mas, neste deixei-me levar pelas ondas...
bj*
Achei lindo! A vida tem muitas marés sem dúvida.
Beijinhos neste dia especial
E depois há aquelas pessoas que esperam pelo regresso, sempre... Morrem por esperar.
Tão linda a tua história, adorei :)
Um beijinho*
Boa tarde amiga Pérola, estou de volta para desejar,
Para todas mães, do mundo
Que hoje se comemora o seu dia
Ninguém aos seus direitos fique mudo
Para todas desejo muitas felicidades e alegria.
Abraços e beijos com carinho.
Eduardo.
Pérola: A vida é feita de mares lindo texto adorei.
Beijos
Santa Cruz
Sempre com as palavras certas, Pérola!
Obrigada!
Belíssimo texto.
Não à dúvida...A vida é como o mar com suas marés.
A minha anda em maré baixa...
Beijinhos.
A vida tem muitas marés... mas também tem muitos marinheiros! E o leme da nossa vida temos de o manobrar nós mesmos. :)
Um beijinho
Um texto delicioso, Pérola.Adorei!
Ahhh, esses encontros furtivos ...
Beijinho, querida e boa semana.
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