O tempo trouxe o pó das recordações, o cheiro de rio na minha pele, aqueles anos onde cresci, sem o saber, sendo feliz na aventura. Na sombra do tempo, vieram as saudades, a consciência do que sou pelo que fui ou deixei de ser. Lavei o presente desse tempo, sacudi o pó das suas botas, limpei o seu caminho e por ele me embrenhei, destemida, em demanda de voltar a ser. Uma vez mais, dependuro a infância, a secar do banho de nostalgia, ainda a escorrer lembranças da menina que sou.
Tenho um pai mestre em arquitectura, construiu um ninho para onde posso voltar com lágrimas na bagagem. É um lar com cheiro a doce, local único, por lá nada de mal me acontece, tenho a certeza. Meu pai carrega esse aconchego com ele, tatuou-o em sua pele e só nele me sei. Perdida na ausência de seus braços, sem o seu ninho, onde volto a ser menina e o seu olhar me protege, resto-me por recordações feridas por cicatrizar. Com saudades, ando perdida, paizinho, para onde foste?
Trago nas mãos o voo da andorinha, o sol a prometer-me dia. Abro mão, solto as mortes da saudade, vida passada de mim. Pelas mãos sou vontade, desejo, ao sentir cada vez mais. Trago nas mãos o nada de ser algo, o tudo de ser mulher. Abro mão de quem fui pelas mãos do que sou, trazendo nas mãos a esperança de agarrar o mundo.