sábado, 24 de março de 2012

Culpada: A Cultura Portuguesa?

" É melhor ser rico e saudável do que pobre e doente" Schulz, in Snoopy

Ter sempre um dramazinho para contar! Sentir-se importante por ter problemas! Sentir-se bom por ter sofrido! Para além de bom, mais inteligente, compreensivo, humano, enfim, diferente.
      É uma tentação cair nesta chamada de atenção, cair nesta personagem, vítima do universo, personagem esta que corre , muitas vezes, o risco de tomar o lugar da própria pessoa. O risco é ir parar àquela realidade retratada na famosa imagem de Fernando Pessoa, do homem, que, quando quis tirar a máscara, a máscara já era a própria cara.
      E é assim que a autenticidade, a essência, a capacidade de ser feliz de um ser humano podem ficar aprisionadas pelo apelo que a valorização social faz  de uma tal personagem.
     A nossa cultura deveria fornecer caminhos e pistas para ajudar o individuo na resolução de problemas e conflitos. Nos nossos tempos, há quem prefira o conflito à sua resolução, a doença à saúde, a tristeza à felicidade. E são consideradas boas por assim o fazerem. 'Coitadinho, tão bonzinho. Tem tanto valor. Tem sofrido tanto...'
     A sociedade e cultura portuguesa com a sua tradição judaico-cristã, tem sido utilizada para justificar a formação e a valorização da personagem-sofredora-meritória-boazinha, porque é sofrida; e generosa porque é sofrida.
Temo-nos baseado no medo de ser feliz, na culpa de ser feliz, e foi-se parar a um culto da desgraça e do sofrimento.
Há muito a fazer para mudar a consciência colectiva e individual e ajudar a curar a sociedade. (Isto ficará para outros pensamentos).
Inspirada pela Dr.Isabel Empis

7 comentários:

Isa Lisboa disse...

É verdade, a tristeza e a infelicidade - ou pelo menos a não felicidade - são uma zona de conforto. Parece um paradoxo, mas é assim. Cruzo-me muito com pessoas que o provam...
Fui descobrir a poesia de que falas e gostei muito. Agradeço-te por mais um poema para a minha "cultura de Pessoa".
Beijos

Isa Lisboa disse...

Apercebi-me entretanto de que falavas de uma passagem d' A Tabacaria... Aqui te deixo a outra "máscara" que descobri:

Depus a máscara e vi-me ao espelho - Álvaro de Campos
"Depus a máscara e vi-me ao espelho.
—Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada…
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,Assim sou a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha."

Pérola disse...

Dizes bem, parece um paradoxo, eu diria que o é, mas não me atrevo. No entanto, acredito que são personagens que se encarnam, como também ilustra Pessoa, e com a acomodação do tempo fica difícil procurar o nosso quinhão de felicidade.
beijos.

mfc disse...

Quem primeiro me alertou para a indignidade do sofrimento foi Sommerset Maugham. Foi com ele que percebi que esta tendência para a expiação da nossa sociedade judaico cristã (como tão bem disseste) serve alguns desígnios, mas não serve os nossos desígnios.
A expiação está associada à culpa e mais ainda àquela culpa(??) que já nasce connosco... aquela historieta do pecado original.
Ora eu aspiro à liberdade e à felicidade e nada quero ter a ver com essa gente que me tolhe o passo.
... mas reconheço que não me liberto o suficiente!

Beijos

Pérola disse...

Aqui ele vê-se para além da máscara, vê a criança que não tinha mudado. Lindo!
Obrigado pela partilha, Isa!

Pérola disse...

Por acaso, já li alguma coisa do autor citado. Não me recordo bem o quê, terei de ir vasculhar a biblioteca.
Sou uma curiosa pela cultura ligada à religião e do que já li e me apercebi, Jesus foi um grande revolucionário, a interpretação que o Homem tem feito
Dele, através das Igrejas, é que tem muito a desejar, pois são fundadas na sua própria imperfeição.
A culpa e o pecado original, tenho-os como mais do que uma historieta. Pode ter muitas interpretações, mas isso fica para outras núpcias.
Beijo.

M* disse...

Eu também tenho problemas e não me sinto importante por os ter, pelo contrário. Não percebo porque é que as pessoas que têm um "problemazinho" (sim, literalmente, -inho), comportam-se como se estivessem a ser comidos vivos.
Sempre tantas preocupação, "coitadinho de mim que sofro tanto" e esquecem-se que há pessoas que estão em piores situações e que só não se queixam do mesmo porque têm problemas mais importantes com que se preocupar (doenças graves, prestação da casa, pôr comida na mesa, etc).
Eu acho que a evolução não tem andado a fazer de nós melhores, neste aspecto, pelo contrário..
Beijo