A noite já ía alta, perdera a noção do tempo. Os lamentos, espaçados, fizeram-na voltar ao presente. Doía-lhe o corpo da posição em que se mantivera nas últimas horas. O combustível tinha acabado nas lâmparinas sem vida. O ambiente ainda era mais tétrico do que se lembrara.
As pessoas presentes, identificava-as pelos vultos. Eram-lhe familiares. Apenas a avó Aurora lhe dirigira a palavra, mostrando carinho, até.
Faltava muito tempo para o funeral.
Acomoda-se, sente os olhos pesados, doridos, a arder, consequência de tanta lágrima derramada. Ensaia um abandono ao colocar sua cabeça perto do ventre inerte de sua mãe. Vencida pelo cansaço, dormita e flashes do passado atormentam-na. Volta à Herdade, aos seus catorze anos.
Esse dia tinha-lhe sido especial. Na reunião diária dos 'Cinco das Mimosas', João partilhara a descoberta da Lírica Camoniana. Temporão, as hormonas já lhe tinham despertado instintos adultos. Na aula de português as palavras de Camões tinham-lhe falado ao coração e nunca estivera tão atento a uma lição.
Enquanto declamava " Amor é um fogo que arde sem se ver", na penumbra da adega onde se refugiaram nessa noite de Fevereiro, o irmão, Luís absorvia cada sílaba bem como Samara. Apenas Matilde e o pequeno António se encontravam distraídos na caça a uma família de aranhas que teimava em não se desalojar.
Luís olhava Samara duma forma nova enquanto o mano entoava as palavras "...É querer estar preso...".
Os frémitos que sentia, não os sabia explicar. Seria o poema do grande poeta? Seriam os olhos de Luís? Não se percebia. Já tinha lido muito sobre a adolescência, mas não associou. Estava demasiado envolvida.
(continua)
10 comentários:
Estive a por em dia a leitura dos capítulos anteriores que perdi!
A narrativa está cada vez mais envolvente também fluente! Gosto muito!
Um grande beijo! E continua..
Tens jeito para escrever.. muito mesmo.
Querida Pérola, escrevo-te aqui porque não sei se me lês em resposta aos comentários.
Há dias em que precisamos estar tristes, pode parecer parvo o que digo, mas é verdade. Precisamos de chorar e de ficarmos sós com a nossa tristeza, da mesma forma que precisamos estar felizes e rir até doer a barriga. A vida é assim, e o facto de sofrermos mostra-nos mais humanos. Por isso, querida Pérola, não te preocupes que tudo passa. :) Eu também sei do que falo. Um beijinho desta tua amiga virtual*
O quadro aqui está: a descrição perfeita dos pormenores físicos emocionais transbordam
dele próprio, ganhando vida. Deixa de ser um quadro É já um filme.
Uma história sempre curiosa.
Parabéns por um estilo literário tão poético
Beijinhos
Até um poema pateta pode atear o fogo, quando dito com alma. Pronto, fiz um comentário sério a ver se não vou parar ao SPAM... Beijoca!
Querida perola, gosto cada vez mais desta tua narrativa, torna-se viciante.
olá. bem disposta? pergunto-me se não serás mesmo uma escritora já conhecida do público. escreves muito bem. tu tens jeito para escrever um lindo romance. se não és escritora profissional, vê se um dia destes editas livros, tal como o Rafeiro Perfumado. Sempre podes ter uma profissão normal e fazer da escrita um hobbie, como fazes no blog. gostei :) . beijos e um bom fim de semana
Pérola obrigada por partilhares no blogue a capacidade que tens para escrever.
E esta ideia está muito engraçada, porque ( pelo menos para mim ) estou sempre à espera de outro capítulo .
Bjs :))
Cada vez gosto mais de ler-te!
"Fio" a "fio" Samara vai ficando envolvida na teia do cupido.
Será que a "seta " do cupido não lhe troca as voltas?
Cá te espero!
Beijos.
Se os miúdos soubessem que Camões tem esse efeito, a média dos exames nacionais subia certamente...*
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